quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

COALIZÃO DE ESFORÇOS







COALIZÃO DE ESFORÇOS
                                                                                                 
                                                                                              Geraldo Esteves Sobrinho

Em um lugar além, muito além da imaginação, duas criaturas se encontraram, estabelecendo um colóquio:
- Qual o seu nome?
- Ponte, e o seu?
- Muro.
- O que faz da vida senhor Muro?
- Meu trabalho, ou melhor, meu divertimento consiste em dividir todos e tudo quanto posso. E o que você faz senhora ponte?
- Eu - respondeu ela – trabalho corrigindo os estragos feitos por você. Não é propriamente um divertimento, mas uma missão.
O Muro ficou curioso e preocupado, afinal não sabia da existência de algum adversário.
- É, acho que não podemos ser amigos dona Ponte, pois temos objetivos diferentes. Eu insuflo a rivalidade, discórdia, preconceito e ódio entre os homens, estimulando a vaidade e o personalismo. E você?
- Ora, eu crio vínculos, ligações afetivas, aproximo e reaproximo as pessoas, promovendo intercâmbio salutar, inclusive com troca de conhecimentos e experiências. Quer me acompanhar para conhecer meu trabalho?
- Não, mesmo porque, não me sentiria bem. Sou fiel ao que faço e àqueles aos quais sirvo.
- Como quiser – respondeu a Ponte – se mudar de ideia algum dia, conte comigo, pois vou lhe mostrar a felicidade de servir no Bem e de ser Ponte.

Aplicando esta história fictícia em nossa vivência no seio do movimento espírita, somos fatalmente convidados a refletir sobre a nossa cota de colaboração no que tange à unificação. Muito se tem falado sobre isso, maspouco, muito pouco se tem esmiuçado o assunto.
Por ser bastante complexoalguns preferem comodamente fazer uma abordagem superficial, evitando causar suscetibilidades. Agindo assim, vamos postergando, empurrando para debaixo do tapete, quando poderíamos atingir melhores resultados se nos dispuséssemos a realizar reflexões profundas, a nível individual e coletivo.
Afinal de contas o que é unificação? Quais seus objetivos e vantagens? Existem desvantagens em adotá-la? O que justifica a renitente posição de isolamento de alguns confrades e instituições?
Quando nos debruçamos sobre tão delicado e crucial tema encontramos, segundo meu modesto entendimento, cinco justificativas por parte daqueles que engrossam a fileira da resistência. São elas:
- Possível institucionalização do Espiritismo;
- subordinação;
- controle das atividades da casa espírita;
- padronização da prática mediúnica;
- cobranças (fiscalização).
            Antes de analisar cada uma delas, cumpre esclarecer que o respeito às posições divergentes no seio da doutrina é de fundamental importância para um debate construtivo. Assim sendo, opiniões alicerçadas no bom senso e na pureza de intenção trazem consigo o escopo de contribuir para o fortalecimento da ciência espírita e de seu movimento. Não ousaria oferecer minha cota de colaboração sem a devida argumentação alicerçada na vida e obra de um dos maiores expoentes do Espiritismo Cristão.
            Reportando aos ensinamentos do servidor humílimo de sempre, o nobre Bezerra de Menezes:

O serviço de unificação em nossas fileiras é urgente, mas não apressado. [...] Mas não é assim. É urgente porque define o objetivo a que devemos todos visar; mas não apressado, porquanto não nos compete violentar consciência alguma.[1]

               
A especulação em torno da possibilidade de institucionalização do Espiritismo baseia-se no que ocorreu com o desvirtuamento do Cristianismo primitivo. Alegam alguns: “se fizeram com o Cristianismo, não podem fazer também com o Espiritismo?” Podem até tentar fazê-lo, mas, o máximo que conseguiriam é criar um pseudo-espiritismo, pois o verdadeiro Espiritismo, codificado por Allan Kardec, permaneceria incólume abrigando em seu bojo os que honram sua pureza (não confundamos pureza com o caráter progressista da doutrina). A doutrina não é dos homens e o compromisso destes deve ser, antes de tudo, com Jesus.
            Unificação, portanto, tem um propósito de coalizão de esforços, de convergência para um mesmo rumo, co-criando com a Espiritualidade Maior o Reino de Luz prometido pelo Divino Mestre.
            Bons exemplos não faltam para ser seguidos. Escutemos novamente a advertência do médico dos pobres:


É indispensável manter o Espiritismo, qual foi entregue pelos Mensageiros Divinos a Allan Kardec, sem compromissos políticos, sem profissionalismo religioso, sem personalismos deprimentes, sem pruridos de conquista a poderes terrestres transitórios.[2]


                Os que falam em subordinação se prendem equivocadamente aos conceitos de dependência, obediência e hierarquia. Entretanto se esquecem de que o Espiritismo não admite tais relações e que a caminhada espiritual coletiva é o resultado daquela realizada individualmente. Ninguém evolui pelo outro.
Então, a unificação jamais deverá criar submissão.
            No que se refere ao controle das atividades do templo espírita, alguém se atreveria? Nossas atitudes devem se pautar no Evangelho de Jesus e nos sábios exemplos ofertados pelo mestre lionês, conforme elucida Bezerra:

  
[3]Seja Allan Kardec, não apenas crido ou sentido, apregoado ou manifestado, a nossa bandeira, mas suficientemente vivido, sofrido, chorado e realizado em nossas próprias vidas. Sem essa base é difícil forjar o caráter espírita-cristão que o mundo conturbado espera de nós pela unificação.


                Padronizar a prática no intercâmbio com o além é algo que lembra atividade mecânica, induzida e ritualística. A espontaneidade é uma condição natural da mediunidade. O instrumento precisa estar preparado física/mental/espiritualmente, e de forma passiva, oferecer-se ao trabalho edificante.
A unificação dispensa formalismos e normatização nos contatos com o mundo espiritual.
            Cobrança e fiscalização encontram sua razão de ser no indivíduo para consigo próprio. Aliás, é a única que funciona bem. A consciência é o juiz rigoroso, eficiente e incorruptível. Deste tribunal alguém jamais escapou, tal é a Lei.
            Urge assim na unificação que:


Mantenhamos o propósito de irmanar, aproximar, confraternizar e compreender e, se possível, estabeleçamos em cada lugar, onde o nome do Espiritismo apareça por legenda de Luz, um grupo de estudo, ainda que reduzido, da obra Kardequiana, à Luz do Cristo de Deus.[4]

               

Quando fala em irmanar e aproximar, Bezerra deixa subentendido nas entrelinhas, para adotarmos o hábito de visitar e participar de reuniões públicas em outras Casas Espíritas. Isso é muito proveitoso e ajuda a apertar mais o laço de amizade que nos une. Particularmente tenho constatado os efeitos salutares desta prática. Não obstante, marcar presença em congressos, simpósios e seminários também é de fundamental importância.
A codificação Kardequiana é base de sustentação inabalável do arcabouço espírita. Kardec nunca estará ultrapassado.
            A Doutrina Espírita é progressista, consoante ensinamento dos Espíritos Reveladores. Todavia, como está em constante construção, o que cada um acrescentar a ela será por sua livre vontade, mas as consequências serão obrigatórias.
            Busquemos, por fim, na autoridade moral de Bezerra de Menezes:


Allan Kardec nos estudos, nas cogitações, nas atividades, nas obras, a fim de que a nossa fé não faça hipnose pela qual o domínio da sombra se estabelece sobre as mentes mais fracas, acorrentando-as a séculos de ilusão e sofrimento.[5]


O autor é bacharel em Direito, Pedagogo, poeta, orador e escritor espírita, militando atualmente no movimento espírita de Guarapari - ES, onde reside.
Contatos: geraldoestevessobrinho@yahoo.com.br.

Artigo publicado na Revista Internacional de Espiritismo de fevereiro de 2013 – Casa Editora O Clarim – Matão – SP.



[1] Trecho da mensagem “Unificação”, ditada pelo espírito Bezerra de Menezes e psicografada por Francisco Cândido Xavier. Revista Reformador, dez. 1975 – edição da Federação Espírita Brasileira.
[2] Idem, ibidem.
[3] Idem, ibidem.
[4] Idem, ibidem.
[5] Idem, ibidem.

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