COALIZÃO
DE ESFORÇOS
Geraldo Esteves Sobrinho
Em um lugar além, muito
além da imaginação, duas criaturas se encontraram, estabelecendo um colóquio:
- Qual o seu nome?
- Ponte, e o seu?
- Muro.
- O que faz da vida senhor Muro?
- Meu trabalho, ou melhor, meu
divertimento consiste em dividir todos e tudo quanto posso. E o que você faz
senhora ponte?
- Eu - respondeu ela – trabalho
corrigindo os estragos feitos por você. Não é propriamente um divertimento, mas
uma missão.
O Muro ficou curioso e
preocupado, afinal não sabia da existência de algum adversário.
- É, acho que não podemos ser amigos
dona Ponte, pois temos objetivos diferentes. Eu insuflo a rivalidade,
discórdia, preconceito e ódio entre os homens, estimulando a vaidade e o
personalismo. E você?
- Ora, eu crio vínculos, ligações
afetivas, aproximo e reaproximo as pessoas, promovendo intercâmbio salutar,
inclusive com troca de conhecimentos e experiências. Quer me acompanhar para
conhecer meu trabalho?
- Não, mesmo porque, não me sentiria
bem. Sou fiel ao que faço e àqueles aos quais sirvo.
- Como quiser – respondeu a Ponte – se
mudar de ideia algum dia, conte comigo, pois vou lhe mostrar a felicidade de servir
no Bem e de ser Ponte.
Aplicando esta história
fictícia em nossa vivência no seio do movimento espírita, somos fatalmente
convidados a refletir sobre a nossa cota de colaboração no que tange à
unificação. Muito se tem falado sobre isso, maspouco, muito pouco se tem
esmiuçado o assunto.
Por ser bastante
complexoalguns preferem comodamente fazer uma abordagem superficial, evitando
causar suscetibilidades. Agindo assim, vamos postergando, empurrando para
debaixo do tapete, quando poderíamos atingir melhores resultados se nos
dispuséssemos a realizar reflexões profundas, a nível individual e coletivo.
Afinal de contas o que
é unificação? Quais seus objetivos e vantagens? Existem desvantagens em
adotá-la? O que justifica a renitente posição de isolamento de alguns confrades
e instituições?
Quando nos debruçamos
sobre tão delicado e crucial tema encontramos, segundo meu modesto
entendimento, cinco justificativas por parte daqueles que engrossam a fileira
da resistência. São elas:
- Possível institucionalização do
Espiritismo;
- subordinação;
- controle das atividades da casa
espírita;
- padronização da prática mediúnica;
- cobranças (fiscalização).
Antes
de analisar cada uma delas, cumpre esclarecer que o respeito às posições
divergentes no seio da doutrina é de fundamental importância para um debate
construtivo. Assim sendo, opiniões alicerçadas no bom senso e na pureza de
intenção trazem consigo o escopo de contribuir para o fortalecimento da ciência
espírita e de seu movimento. Não ousaria oferecer minha cota de colaboração sem
a devida argumentação alicerçada na vida e obra de um dos maiores expoentes do
Espiritismo Cristão.
Reportando
aos ensinamentos do servidor humílimo de sempre, o nobre Bezerra de Menezes:
O serviço de
unificação em nossas fileiras é urgente, mas não apressado. [...] Mas não é
assim. É urgente porque define o objetivo a que devemos todos visar; mas não
apressado, porquanto não nos compete violentar consciência alguma.[1]
A especulação em torno da possibilidade de institucionalização do
Espiritismo baseia-se no que ocorreu com o desvirtuamento do Cristianismo
primitivo. Alegam alguns: “se fizeram com o Cristianismo, não podem fazer
também com o Espiritismo?” Podem até tentar fazê-lo, mas, o máximo que
conseguiriam é criar um pseudo-espiritismo, pois o verdadeiro Espiritismo,
codificado por Allan Kardec, permaneceria incólume abrigando em seu bojo os que
honram sua pureza (não confundamos pureza com o caráter progressista da
doutrina). A doutrina não é dos homens e o compromisso destes deve ser,
antes de tudo, com Jesus.
Unificação, portanto, tem um
propósito de coalizão de esforços, de convergência para um mesmo rumo,
co-criando com a Espiritualidade Maior o Reino de Luz prometido pelo Divino
Mestre.
Bons exemplos não faltam para ser
seguidos. Escutemos novamente a advertência do médico dos pobres:
É indispensável
manter o Espiritismo, qual foi entregue pelos Mensageiros Divinos a Allan
Kardec, sem compromissos políticos, sem profissionalismo religioso, sem personalismos
deprimentes, sem pruridos de conquista a poderes terrestres transitórios.[2]
Os que falam em subordinação se prendem equivocadamente
aos conceitos de dependência, obediência e hierarquia. Entretanto se esquecem de
que o Espiritismo não admite tais relações e que a caminhada espiritual
coletiva é o resultado daquela realizada individualmente. Ninguém evolui pelo
outro.
Então,
a unificação jamais deverá criar submissão.
No que se refere ao controle das atividades do templo espírita,
alguém se atreveria? Nossas atitudes devem se pautar no Evangelho de Jesus e
nos sábios exemplos ofertados pelo mestre lionês, conforme elucida Bezerra:
[3]Seja Allan
Kardec, não apenas crido ou sentido, apregoado ou manifestado, a nossa
bandeira, mas suficientemente vivido, sofrido, chorado e realizado em nossas
próprias vidas. Sem essa base é difícil forjar o caráter espírita-cristão que o
mundo conturbado espera de nós pela unificação.
Padronizar
a prática no intercâmbio com o além é algo que lembra atividade mecânica,
induzida e ritualística. A espontaneidade é uma condição natural da
mediunidade. O instrumento precisa estar preparado física/mental/espiritualmente,
e de forma passiva, oferecer-se ao trabalho edificante.
A
unificação dispensa formalismos e normatização nos contatos com o mundo
espiritual.
Cobrança
e fiscalização encontram sua razão de ser no indivíduo para consigo
próprio. Aliás, é a única que funciona bem. A consciência é o juiz rigoroso,
eficiente e incorruptível. Deste tribunal alguém jamais escapou, tal é a Lei.
Urge assim na unificação que:
Mantenhamos o
propósito de irmanar, aproximar, confraternizar e compreender e, se possível,
estabeleçamos em cada lugar, onde o nome do Espiritismo apareça por legenda de
Luz, um grupo de estudo, ainda que reduzido, da obra Kardequiana, à Luz do
Cristo de Deus.[4]
Quando fala em irmanar e aproximar,
Bezerra deixa subentendido nas entrelinhas, para adotarmos o hábito de visitar
e participar de reuniões públicas em outras Casas Espíritas. Isso é muito
proveitoso e ajuda a apertar mais o laço de amizade que nos une.
Particularmente tenho constatado os efeitos salutares desta prática. Não
obstante, marcar presença em congressos, simpósios e seminários também é de
fundamental importância.
A
codificação Kardequiana é base de sustentação inabalável do arcabouço espírita.
Kardec nunca estará ultrapassado.
A Doutrina Espírita é progressista,
consoante ensinamento dos Espíritos Reveladores. Todavia, como está em
constante construção, o que cada um acrescentar a ela será por sua livre
vontade, mas as consequências serão obrigatórias.
Busquemos, por fim, na autoridade
moral de Bezerra de Menezes:
Allan Kardec nos
estudos, nas cogitações, nas atividades, nas obras, a fim de que a nossa fé não
faça hipnose pela qual o domínio da sombra se estabelece sobre as mentes mais
fracas, acorrentando-as a séculos de ilusão e sofrimento.[5]
Contatos: geraldoestevessobrinho@yahoo.com.br.
Artigo
publicado na Revista Internacional de Espiritismo de fevereiro de 2013 – Casa
Editora O Clarim – Matão – SP.
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